domingo, 22 de julho de 2012

"DEUS": PERMITA-ME


"(Come chocolates, pequena; 
Come chocolates! 
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. 
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. 
Come, pequena suja, come! 
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! 
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, 
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)"
Álvaro de Campos



“DEUS”: PERMITA-ME

Borbulham em mim tantos sentimentos
Que não sei para onde ir.
O turbilhão de imagens e desejos tiram-me forças
E permaneço estático, inerte.
A lua que hoje olho não é a mesma da infância,
O mergulho no riacho tornou-se raso e gelado,
O sorriso fácil, de criança descalça, se foi,
A fruta arrancada no pé já não é tão doce.
Tenho tudo que necessito à minha volta,
E sempre me vejo envolto nesta angústia.
Já não me basta ir solto, isento dos questionamentos,
Já não me basta ir, preciso entender,
Se foram os bons tempos de criança.
Hoje preciso saber algumas respostas.
Mas pra que saber as respostas,
Pra que este perguntar constante.


Não me venha com esta estória de “Deus”,
Na maioria das vezes “Deus” é o consolo das dúvidas,
É a forma mais fácil para se consolar na ignorância.
“Se não entendo é vontade de Deus”.
Não me contento com tamanha mediocridade,
Quero a resposta que me esclarece não a que me engana.
Quero a frase “seca”, dura de aceitar, quero o fim se assim for.
Mas quero ter em mim a possibilidade do olhar verdadeiro,
Não este choro de alivio, que busca o consolo na possibilidade,
Que busca a ilusão, alegrando os que ficam,
Alegrando os que necessitam da imortalidade.

Gostaria de ter a verdade tão presente nas plantas,
Que brotam, buscam energia, sugam água e claridade.
Quero a verdade verde, crescer em busca de luz,
Suplicar algumas chuvas e deixar escoar o que sobrar,
E quando chegar o fim, ir, sem medo nem ilusão.
Quero a verdade das aves, que nascem para voar.
E voam, sem pensar em nada, voam, planam.
Vêem horizontes, se levam pelas correntes,
Fazem o ciclo da reprodução, protegem seus ninhos,
Protegem filhotes, um dia pousam e morrem.

Quero ser apenas o instante vivido,
Não ficar a imaginar o fim.
Pra quê, ficar imaginando o fim?
Ele é inevitável.
“Deus” permita-me desconhece-lo,
Permita-me não ter que ser à sua imagem e semelhança,
Permita-me ter a vida como presente, não como provação,
Permita-me apenas viver.


Marcelo Faleiros


quarta-feira, 18 de julho de 2012

CATARATAS



"Porque tudo se cala diante da beleza de suas águas e se curva sob a maravilha de suas quedas." (Rosana Lomba Piccioni - Matinhos-PR)







CATARATAS



A água que desce espumada acaricia a visão,
Fazendo jorrar emoções já quase extintas.
Brota da fonte mais profunda sentimentos vitais,
Nasce no broto de cada arbusto o elo da vida.
O som da queda d’água faz música, faz acalanto,
E a cada olhar vê-se algum renascimento.

A água que desce espumada não finda, não cansa,
Vem de algum lugar desconhecido, vem de Deus,
Vem a mostrar a pequenez de nosso olhar,
Faz-nos coadjuvantes, faz-nos semelhantes.
A vida torna-se fácil, e em tamanha beleza somos plenos.
Em tamanha beleza a felicidade, do simples, jorra.

A água que desce espumada alimenta, hidrata,
Pinta arco-íris por todos os lados, encharca a alma, acalma.
E nos cabe ser parte, nos cabe ser importantes,
Pois tamanha beleza também precisa dos olhares,
A beleza pertence aos olhares, pertence à emoção.
Pertence a este meu pequeno coração,
Pertence à lágrima que agora brota em meu olhar.

              Marcelo Faleiros

domingo, 8 de julho de 2012

A LÁGRIMA


"Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove."
Cora Coralina

A LÁGRIMA

A lágrima tem sempre um brilho
Tem com a luz alguma paixão
Interage, e no raio que reflete,
Cintila emoção, solidão e até alegria.

A lágrima escoa, ecoa, grita.
Tem laços com a vida, com o pêndulo do tempo,
E a gota que se vai, em queda livre,
Tira-nos da inércia de alguns sofrimentos.

A lágrima é mais que água e sais
Hidratando, cicatrizando as tantas dores.
Vai-se, emerge inundando a íris,
Vai, alenta, nos salva que alguns horrores.

A lágrima é mais que santa.
Risca a face, faz sempre algum enlace,
Emoção, coração, a própria vida.
Dá, tira, alivia e depois evapora.

Marcelo Faleiros

PLENITUDE




"...Que minha solidão me sirva de companhia.
Que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo"
Clarice Lispector



PLENITUDE

Que sonhos sobrevivem sem ilusão?
Que esperanças sobram sem as lágrimas?
E as saudades, salgadas, sem mar e lua,
Sem noites de insônia, sem pesadelos,
Sem os tantos apelos, sem os tantos medos?

Que sonhos restam sem fantasias,
Sem algumas hipocrisias, sem ironias?
Que roteiro permite todas as verdades,
Todas as vontades, sem maldades?
Não há quem viva só na rota certa,
Sem se perder no dilema das tantas setas,
Pela contramão, pelo erro do imoral prazer,
Ou se contaminando no mortal veneno das paixões.

Que vida é tão certa que se morre em paz?
Que morte é tão serena que nada fica pra traz?
Quem sabe tanto ao ponto de nem pensar?
Sem o certo ou errado, só com a vida,
Sem necessitar dos tantos sonhos que já perdi?
Sem sangrar, sem rancores, sem raivas?
A vida sem os tantos riscos, sem fiscos,
Certamente, também, será sem amores.

Os amores são como lindas tormentas,
Com plena beleza, mas com angústias e medos.
Com raios, clarões, relâmpagos.
Com sorrisos, arrepios, lágrimas.
Sem precisão, em turbilhão, a derramar.
Encharcando, afogando, a nos levar.
Drenando, brotando, a frutificar.
Ficando na brisa da bonança a plenitude,
Ficando a réstia de sol na calmaria da vida.
Da real vida, da vida realmente vivida.

Marcelo Faleiros