"(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)"
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)"
Álvaro de Campos
“DEUS”: PERMITA-ME
Borbulham em mim tantos sentimentos
Que não sei para onde ir.
O turbilhão de imagens e desejos tiram-me forças
E permaneço estático, inerte.
A lua que hoje olho não é a mesma da infância,
O mergulho no riacho tornou-se raso e gelado,
O sorriso fácil, de criança descalça, se foi,
A fruta arrancada no pé já não é tão doce.
Tenho tudo que necessito à minha volta,
E sempre me vejo envolto nesta angústia.
Já não me basta ir solto, isento dos questionamentos,
Já não me basta ir, preciso entender,
Se foram os bons tempos de criança.
Hoje preciso saber algumas respostas.
Mas pra que saber as respostas,
Pra que este perguntar constante.
Não me venha com esta estória de “Deus”,
Na maioria das vezes “Deus” é o consolo das dúvidas,
É a forma mais fácil para se consolar na ignorância.
“Se não entendo é vontade de Deus”.
Não me contento com tamanha mediocridade,
Quero a resposta que me esclarece não a que me engana.
Quero a frase “seca”, dura de aceitar, quero o fim se assim for.
Mas quero ter em mim a possibilidade do olhar verdadeiro,
Não este choro de alivio, que busca o consolo na possibilidade,
Que busca a ilusão, alegrando os que ficam,
Alegrando os que necessitam da imortalidade.
Gostaria de ter a verdade tão presente nas plantas,
Que brotam, buscam energia, sugam água e claridade.
Quero a verdade verde, crescer em busca de luz,
Suplicar algumas chuvas e deixar escoar o que sobrar,
E quando chegar o fim, ir, sem medo nem ilusão.
Quero a verdade das aves, que nascem para voar.
E voam, sem pensar em nada, voam, planam.
Vêem horizontes, se levam pelas correntes,
Fazem o ciclo da reprodução, protegem seus ninhos,
Protegem filhotes, um dia pousam e morrem.
Quero ser apenas o instante vivido,
Não ficar a imaginar o fim.
Pra quê, ficar imaginando o fim?
Ele é inevitável.
“Deus” permita-me desconhece-lo,
Permita-me não ter que ser à sua imagem e semelhança,
Permita-me ter a vida como presente, não como provação,
Permita-me apenas viver.
Marcelo Faleiros
Marcelo Faleiros
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