"Um professor é a personificada consciência do aluno; confirma-o nas suas dúvidas; explica-lhes o motivo de sua insatisfação e lhe estimula a vontade de melhorar."Thomas Mann
PROFESSOR
O que é ser professor?
Em minha carteira profissional está
escrito que sou professor. Questiono-me sempre sobre esta qualificação, será
que a mereço?
Quando tento lembrar o nome de meus
professores, percebo que o fato de se estar na frente de uma sala, com os
alunos a te olhar, não lhe garante título de educador.
Na universidade aprendi a fazer
cálculos de trocadores de calor, equações diferenciais, a seqüência das reações
de um processo industrial, a importância do controle de qualidade e sua
estatística, o efeito da temperatura no tempo de fermentação,... Quantos
“professores”! Não me lembro o nome de quase nenhum deles. Volta a insistir,
imploro à memória, não é possível que seja tão ingrato. Tenho que lembrar
desses doutores, homens com tantos títulos. Por que será que seus nomes não
fazem parte de minha vida?
Enquanto tento me lembrar de meus
“professores”, lembro-me do porteiro do prédio em que morei em Campinas. Pedro,
este era seu nome, fiquei sabendo que já não vive mais neste mundo. “Seu
Pedro”: era assim que eu o chamava. Mas por que me lembrei dele?, não quero
falar de porteiros, quero falar de professores. Porteiros não são preparados
para nos ensinar, muito mal sabem escrever. “Seu Pedro”, por exemplo, não tinha
nem a 4a série primária. Por que será esta lembrança agora?
“Seu Pedro” era um senhor de
aproximadamente 70 anos, que tomava conta da entrada do prédio, mais por
compaixão dos proprietários do que por segurança, mesmo porque o edifício não
era lá muito sofisticado. Pelo contrário, era muito simples. O sorriso parecia
fazer parte de seu rosto. Não me recordo de um dia em que não tenha me
cumprimentado sem me mostrar uma expressão de alegria. Seu “bom dia” era muito
sincero. Lembro-me quando segurava a porta do elevador ao me ver dobrar a
esquina, chamando-me, porque aquilo não era permitido. Foram várias as vezes em
que me ofereceu café, que trazia sempre de casa. Sua filha o preparava e o
colocava em uma garrafa térmica já bastante velha. As vezes que o tomei já
estava bem frio. Engraçado, a baixa temperatura não tirava o agradável sabor.
Um dia acordei para ir à faculdade,
nessa época passava por vários problemas, me encontrava em profunda depressão.
Mas tinha que cumprir com meus compromissos de estudante, afinal minha família
investia em meu futuro, e a Unicamp me oferecia pessoas, no mínimo, doutoradas.
Neste dia atravessei a rua mirando o chão, a desesperança me inundava. Como
gostaria de não pensar!, cheguei a ter inveja de um pequeno cachorro que cruzou
meu caminho. Por que os doutores não me ensinavam a ser feliz?, que havia de
errado comigo? Acabei por retornar para casa.
Quando abri o portão do prédio, “Seu
Pedro” me sorriu e falou: “Marcelo, vamos conversar, você não está bem!” Ao
ouvi-lo fiquei surpreso. Afinal, já fazia alguns dias que estava triste e
nenhum de meu “professores” havia notado. Como um homem sem estudo poderia ter
percebido?
Fiquei a conversar com aquele senhor
por horas. Ele me contou que tinha uma cachorrinha que ficava pulando
desesperadamente no portão de sua casa ao vê-lo se aproximar, me falou que a
comida que ele mais gostava era arroz, feijão e carne moída; nos dias de
inverno nada melhor do que uma sopa de fubá com a sobra de pão do café. Sorriu
bastante quando lembrou que foi ao Pacaembu e viu Pelé jogar e marcar um gol de
seu Santos contra o Corinthians. Disse que nos finais de semana adorava uma
caipirinha de limão, com um bom “papo”, mas só nos finais de semana. Falou de
sua mãe como quem fala de uma santa, e se comoveu ao lembrar dos calos das mãos
de seu pai. Sua fala mansa acalentou meu coração, e sem que eu perceber minha
tristeza foi se dissipando.
Mas por que será que me lembrei de
“Seu Pedro”?
Marcelo Faleiros.
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