domingo, 9 de dezembro de 2012

SONHO



"Sonhar é acordar-se para dentro."
Mario Quintana






SONHO

A busca do sonho é o próprio sonho.
É na busca que apreciamos a paisagem,
Que vemos sorrisos, escoamos lágrimas,
Limpamos algumas mágoas, xingamos,
Lamentamos o destino e nos desanimamos.

Mas a busca do sonho nos resgata o sonho.
O passo dado nos dá a dimensão da existência
E um dia vivido rumo ao sonho nos permite o sono,
E a cabeça recosta na calma da verdade,
A alma permaneça no pulsar que alimenta o coração.

A busca do sonho, tantas vezes inatingível,
Traz a esperança verde que amadurece a alegria,
Traz o olhar que tem brilho e resplandece a íris.
Traz alguns medos que nos dá prudência,
Traz a excelência dos seres deferentes.

O sonho não tem que ser “grande”,
Pois a dimensão não cabe aos parâmetros estabelecidos,
Cabe a cada coração, cabe a verdade de cada ser.
Um sorriso, em certo momento, pode ser o maior sonho.
A lágrima deslizando na emoção que transbordou,
A mão dada no silêncio de fim de tarde,
O olhar agradecendo a magia da vida.

O sonho às vezes caminha ao lado,
Às vezes é como cair num abismo,
Às vezes nos leva por caminhos tortuosos,
Às vezes é simples como sentar na varanda,
Às vezes é só fechar os olhos para enxergar,
Às vezes vem depois, quando o sangue já parou de pulsar.

Marcelo Faleiros.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O VELHO PODER




Sábio não é quem tem tudo o quer , sábio é quem sabe o que tem. Os que necessitam tanto do poder do dinheiro, são inseguros de si mesmos e acabam sugados por essa ilusão. Humilham os outros por não se suportarem. Miseráveis!








O VELHO PODER

Todos são bons no início, no amanhecer
Nascem, rompem cordões, pura liberdade,
Apenas a pura verdade da existência.
Brotando num universo que é vácuo na essência
Sem mágoas, sem dogmas, sem vaidades
E buscam, na vida, as tantas amarras pra sobreviver.

Todos são inocentes no início, no amanhecer
Sem digitais impregnadas, sem punhos fechados.
Apenas o olhar, só a visão, sem conceitos.
Traduzindo do universo a difusão das tantas cores,
Saboreando da vida o gosto do presente
E com o tempo prendem-se na imposição de uma razão.

Todos são iguais no início, no amanhecer
A simples união, embrião, a sábia natureza.
Energia a jorrar na simples pureza do olhar
E na busca das tantas velhas pegadas,
Atolam-se nos impostos e movediços caminhos.
O velho poder, pra sobreviver, cria as tantas diferenças.

Marcelo Faleiros

domingo, 4 de novembro de 2012

PROFESSOR


"Um professor é a personificada consciência do aluno; confirma-o nas suas dúvidas; explica-lhes o motivo de sua insatisfação e lhe estimula a vontade de melhorar."Thomas Mann




              PROFESSOR

            O que é ser professor?
            Em minha carteira profissional está escrito que sou professor. Questiono-me sempre sobre esta qualificação, será que a mereço?
            Quando tento lembrar o nome de meus professores, percebo que o fato de se estar na frente de uma sala, com os alunos a te olhar, não lhe garante título de educador.
            Na universidade aprendi a fazer cálculos de trocadores de calor, equações diferenciais, a seqüência das reações de um processo industrial, a importância do controle de qualidade e sua estatística, o efeito da temperatura no tempo de fermentação,... Quantos “professores”! Não me lembro o nome de quase nenhum deles. Volta a insistir, imploro à memória, não é possível que seja tão ingrato. Tenho que lembrar desses doutores, homens com tantos títulos. Por que será que seus nomes não fazem parte de minha vida?
            Enquanto tento me lembrar de meus “professores”, lembro-me do porteiro do prédio em que morei em Campinas. Pedro, este era seu nome, fiquei sabendo que já não vive mais neste mundo. “Seu Pedro”: era assim que eu o chamava. Mas por que me lembrei dele?, não quero falar de porteiros, quero falar de professores. Porteiros não são preparados para nos ensinar, muito mal sabem escrever. “Seu Pedro”, por exemplo, não tinha nem a 4a série primária. Por que será esta lembrança agora?
            “Seu Pedro” era um senhor de aproximadamente 70 anos, que tomava conta da entrada do prédio, mais por compaixão dos proprietários do que por segurança, mesmo porque o edifício não era lá muito sofisticado. Pelo contrário, era muito simples. O sorriso parecia fazer parte de seu rosto. Não me recordo de um dia em que não tenha me cumprimentado sem me mostrar uma expressão de alegria. Seu “bom dia” era muito sincero. Lembro-me quando segurava a porta do elevador ao me ver dobrar a esquina, chamando-me, porque aquilo não era permitido. Foram várias as vezes em que me ofereceu café, que trazia sempre de casa. Sua filha o preparava e o colocava em uma garrafa térmica já bastante velha. As vezes que o tomei já estava bem frio. Engraçado, a baixa temperatura não tirava o agradável sabor.
            Um dia acordei para ir à faculdade, nessa época passava por vários problemas, me encontrava em profunda depressão. Mas tinha que cumprir com meus compromissos de estudante, afinal minha família investia em meu futuro, e a Unicamp me oferecia pessoas, no mínimo, doutoradas. Neste dia atravessei a rua mirando o chão, a desesperança me inundava. Como gostaria de não pensar!, cheguei a ter inveja de um pequeno cachorro que cruzou meu caminho. Por que os doutores não me ensinavam a ser feliz?, que havia de errado comigo? Acabei por retornar para casa.
            Quando abri o portão do prédio, “Seu Pedro” me sorriu e falou: “Marcelo, vamos conversar, você não está bem!” Ao ouvi-lo fiquei surpreso. Afinal, já fazia alguns dias que estava triste e nenhum de meu “professores” havia notado. Como um homem sem estudo poderia ter percebido?
            Fiquei a conversar com aquele senhor por horas. Ele me contou que tinha uma cachorrinha que ficava pulando desesperadamente no portão de sua casa ao vê-lo se aproximar, me falou que a comida que ele mais gostava era arroz, feijão e carne moída; nos dias de inverno nada melhor do que uma sopa de fubá com a sobra de pão do café. Sorriu bastante quando lembrou que foi ao Pacaembu e viu Pelé jogar e marcar um gol de seu Santos contra o Corinthians. Disse que nos finais de semana adorava uma caipirinha de limão, com um bom “papo”, mas só nos finais de semana. Falou de sua mãe como quem fala de uma santa, e se comoveu ao lembrar dos calos das mãos de seu pai. Sua fala mansa acalentou meu coração, e sem que eu perceber minha tristeza foi se dissipando.
            Mas por que será que me lembrei de “Seu Pedro”?

Marcelo Faleiros.


quinta-feira, 1 de novembro de 2012

NÃO É DE HOJE



"Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata."
Carlos Drummond de Andrade




NÃO É DE HOJE


Não é de hoje que a vida vem me presenteando.
Vi o sol nascer bem antes de tentar entender a vida.
Senti o frescor do riacho do pé de serra antes de saber nadar.
Senti o cheiro da chuva, baixando poeira, antes de entender o ciclo das águas.
Corri, com pés descalços, por entre canaviais absorvendo a natureza.
Cantei o canto dos pássaros saboreando frutas no pé.
Tomei café ao pé do fogão de lenha.
Vi minha vó fazer pão de queijo e me oferecer com amor.
Dormi em meio aos bezerros esperando o calor do sol.
Bebi o leite espumante na alvorada da manhã de inverno.
Vi a lua nascer no mar deixando um eterno reflexo nas lembranças.
A mesma lua, na noite de insônia, já me iluminou muitos sonhos.
Vi a jangada ir pro mar fazendo um risco lindo.
Já contei estórias para meu filho poder dormir em paz.
Já dormi em paz com meu filho nos braços.
Já tive provas de amor que justificam uma vida.
Já me embriaguei provando o gosto do amor.
Já nadei quilômetros por um mar cor de esmeralda.
Já chorei muito fazendo poemas.
Já chorei muito inconformado com tantas injustiças.
Já quis matar, já quis morrer, mas depois acalmei.
Já subi uma bela montanha e me encontrei no cume.
Já fiz sentido pra vida de alguém.
Já percebi, há tempos, que felicidade não se compra.
Já me queimei na fogueira da paixão,
E a paixão continua queimando dentro de mim.
Não é de hoje que a vida bem me presenteando!

Marcelo Faleiros

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

LIVRE PRISIONEIRO


Os poemas de amor são óbvios, as rimas previsíveis, sempre clichês,.... mas necessários. Eles regam as relações, alimentam o coração, aliviam as durezas, nos livra das grades da solidão.



LIVRE PRISIONEIRO

Veio sem pretensão, sem intenção.
Nos olhares, nos perfumes, nos pulsares.
Veio no encontro de fim de tarde,
No banco de praça, no visgo do olhar.
Na mão dada ao se caminhar.
Na fala ingênua que tenta impressionar,
Na poesia de algum por de sol,
Ou no brilho prata da aliada lua.
Veio sem pretensão e me fisgou.
E quando vi já era amor.
Tão em mim que me fiz refém,
Tão em mim, que me fiz seu.
Tão forte que só me restou ir.
E fui embalado por alguma canção.
Feliz por não ter escolha,
Não ter a dúvida,
A cruel e traiçoeira dúvida.
E fui, acorrentado ao arrepio da paixão.
Livrei-me das escolhas e fui.
E no amor tornei-me feliz refém.
Tornei-me o mais livre dos prisioneiros.

Marcelo Faleiros

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

QUANDO O AMOR ACABA




"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura." Friedrich Nietzsche  



QUANDO O AMOR ACABA


O que dizer quando o amor acaba?
Quando a chama que queimava, fervendo o sangue,
vai perdendo força, o oxigênio se escassa,
nos olhos já não se esconde a falta do brilho de antes.

O que fazer quando a distância não incomoda,
e o reencontro já não é tão esperado, tão aguardado?
Se a saliva do beijo já não tem o doce do amor
e o toque, que antes arrepiava, agora mal é dado.

Pra onde olhar se nos olhos não se vê o que se quer?
Quando a linha do horizonte nos prende no final da tarde,
o sol se põe dentro do coração, a lua não nasce,
e na escuridão sente-se que o sentimento já não arde.

Pra onde correr, se esconder se chegou o fim?
Fim do que me mantinha vivo, feliz, erguido.
O caminho está num ponto onde não há saída
e a volta não se permite, pois o tempo só tem um sentido.

Como chorar se as lágrimas já secaram,
matando o verde que florescia mesmo no inverno?
Se o broto não resistiu aos puxões que nos deram
e arrancou-se a raiz do que se tinha de mais belo.

Agora me resta gritar, insano na noite,
e com o grito espantar a tristeza,
tentar curar a ferida de tanto açoite
e, com a cicatriz, buscar na vida alguma beleza.

Marcelo Faleiros

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

INJUSTIÇA





"… que é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos."
Ariano Suassuna
(foto de Sebastião Saldado)




INJUSTIÇA


Há tantos terços rezados pela procissão,
Tantos joelhos ralados e pedidos de perdão,
Tantos rogam milagres e juram perante a imagem,
Tantas lágrimas em meio à seca e devastação,
Tantas marcas de sangue escorrem pela escada.
Só restando gritos de alivio vendo a morte como solução.

Há tantos becos sem saída pelas cidades,
Tantos muros acumulando pobreza, cercando tristezas,
Tantos apressados, em busca do mísero pão.
Tantos apossados excluindo a grande multidão,
Multidão que vive a pedir perdão de joelhos no chão.
Implorando num grito de alívio a morte como solução.

Há tantos tiros dados para se salvar almas,
Que a devida calma se vai, vai o sonho, cedo,
Bem cedo, e a tristeza se apodera, pouco sobra,
Sobra os tantos pedidos para os deuses, em vão,
E no vão, vê-se o olhar assustado em meio a fé,
A implorar em silêncio o alívio da morte como solução.

Há tanto riso indevido em meio à multidão,
Tantos festivos, por desconhecer a podridão,
Tantos alienados, que não questionam nada,
Tantos a empurrar a imensa engrenagem, girando,
Gerando, moendo a esperança e a pouca dignidade.
Restando, o perdão de deus, e a morte como solução.

Marcelo Faleiros