domingo, 9 de dezembro de 2012

SONHO



"Sonhar é acordar-se para dentro."
Mario Quintana






SONHO

A busca do sonho é o próprio sonho.
É na busca que apreciamos a paisagem,
Que vemos sorrisos, escoamos lágrimas,
Limpamos algumas mágoas, xingamos,
Lamentamos o destino e nos desanimamos.

Mas a busca do sonho nos resgata o sonho.
O passo dado nos dá a dimensão da existência
E um dia vivido rumo ao sonho nos permite o sono,
E a cabeça recosta na calma da verdade,
A alma permaneça no pulsar que alimenta o coração.

A busca do sonho, tantas vezes inatingível,
Traz a esperança verde que amadurece a alegria,
Traz o olhar que tem brilho e resplandece a íris.
Traz alguns medos que nos dá prudência,
Traz a excelência dos seres deferentes.

O sonho não tem que ser “grande”,
Pois a dimensão não cabe aos parâmetros estabelecidos,
Cabe a cada coração, cabe a verdade de cada ser.
Um sorriso, em certo momento, pode ser o maior sonho.
A lágrima deslizando na emoção que transbordou,
A mão dada no silêncio de fim de tarde,
O olhar agradecendo a magia da vida.

O sonho às vezes caminha ao lado,
Às vezes é como cair num abismo,
Às vezes nos leva por caminhos tortuosos,
Às vezes é simples como sentar na varanda,
Às vezes é só fechar os olhos para enxergar,
Às vezes vem depois, quando o sangue já parou de pulsar.

Marcelo Faleiros.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O VELHO PODER




Sábio não é quem tem tudo o quer , sábio é quem sabe o que tem. Os que necessitam tanto do poder do dinheiro, são inseguros de si mesmos e acabam sugados por essa ilusão. Humilham os outros por não se suportarem. Miseráveis!








O VELHO PODER

Todos são bons no início, no amanhecer
Nascem, rompem cordões, pura liberdade,
Apenas a pura verdade da existência.
Brotando num universo que é vácuo na essência
Sem mágoas, sem dogmas, sem vaidades
E buscam, na vida, as tantas amarras pra sobreviver.

Todos são inocentes no início, no amanhecer
Sem digitais impregnadas, sem punhos fechados.
Apenas o olhar, só a visão, sem conceitos.
Traduzindo do universo a difusão das tantas cores,
Saboreando da vida o gosto do presente
E com o tempo prendem-se na imposição de uma razão.

Todos são iguais no início, no amanhecer
A simples união, embrião, a sábia natureza.
Energia a jorrar na simples pureza do olhar
E na busca das tantas velhas pegadas,
Atolam-se nos impostos e movediços caminhos.
O velho poder, pra sobreviver, cria as tantas diferenças.

Marcelo Faleiros

domingo, 4 de novembro de 2012

PROFESSOR


"Um professor é a personificada consciência do aluno; confirma-o nas suas dúvidas; explica-lhes o motivo de sua insatisfação e lhe estimula a vontade de melhorar."Thomas Mann




              PROFESSOR

            O que é ser professor?
            Em minha carteira profissional está escrito que sou professor. Questiono-me sempre sobre esta qualificação, será que a mereço?
            Quando tento lembrar o nome de meus professores, percebo que o fato de se estar na frente de uma sala, com os alunos a te olhar, não lhe garante título de educador.
            Na universidade aprendi a fazer cálculos de trocadores de calor, equações diferenciais, a seqüência das reações de um processo industrial, a importância do controle de qualidade e sua estatística, o efeito da temperatura no tempo de fermentação,... Quantos “professores”! Não me lembro o nome de quase nenhum deles. Volta a insistir, imploro à memória, não é possível que seja tão ingrato. Tenho que lembrar desses doutores, homens com tantos títulos. Por que será que seus nomes não fazem parte de minha vida?
            Enquanto tento me lembrar de meus “professores”, lembro-me do porteiro do prédio em que morei em Campinas. Pedro, este era seu nome, fiquei sabendo que já não vive mais neste mundo. “Seu Pedro”: era assim que eu o chamava. Mas por que me lembrei dele?, não quero falar de porteiros, quero falar de professores. Porteiros não são preparados para nos ensinar, muito mal sabem escrever. “Seu Pedro”, por exemplo, não tinha nem a 4a série primária. Por que será esta lembrança agora?
            “Seu Pedro” era um senhor de aproximadamente 70 anos, que tomava conta da entrada do prédio, mais por compaixão dos proprietários do que por segurança, mesmo porque o edifício não era lá muito sofisticado. Pelo contrário, era muito simples. O sorriso parecia fazer parte de seu rosto. Não me recordo de um dia em que não tenha me cumprimentado sem me mostrar uma expressão de alegria. Seu “bom dia” era muito sincero. Lembro-me quando segurava a porta do elevador ao me ver dobrar a esquina, chamando-me, porque aquilo não era permitido. Foram várias as vezes em que me ofereceu café, que trazia sempre de casa. Sua filha o preparava e o colocava em uma garrafa térmica já bastante velha. As vezes que o tomei já estava bem frio. Engraçado, a baixa temperatura não tirava o agradável sabor.
            Um dia acordei para ir à faculdade, nessa época passava por vários problemas, me encontrava em profunda depressão. Mas tinha que cumprir com meus compromissos de estudante, afinal minha família investia em meu futuro, e a Unicamp me oferecia pessoas, no mínimo, doutoradas. Neste dia atravessei a rua mirando o chão, a desesperança me inundava. Como gostaria de não pensar!, cheguei a ter inveja de um pequeno cachorro que cruzou meu caminho. Por que os doutores não me ensinavam a ser feliz?, que havia de errado comigo? Acabei por retornar para casa.
            Quando abri o portão do prédio, “Seu Pedro” me sorriu e falou: “Marcelo, vamos conversar, você não está bem!” Ao ouvi-lo fiquei surpreso. Afinal, já fazia alguns dias que estava triste e nenhum de meu “professores” havia notado. Como um homem sem estudo poderia ter percebido?
            Fiquei a conversar com aquele senhor por horas. Ele me contou que tinha uma cachorrinha que ficava pulando desesperadamente no portão de sua casa ao vê-lo se aproximar, me falou que a comida que ele mais gostava era arroz, feijão e carne moída; nos dias de inverno nada melhor do que uma sopa de fubá com a sobra de pão do café. Sorriu bastante quando lembrou que foi ao Pacaembu e viu Pelé jogar e marcar um gol de seu Santos contra o Corinthians. Disse que nos finais de semana adorava uma caipirinha de limão, com um bom “papo”, mas só nos finais de semana. Falou de sua mãe como quem fala de uma santa, e se comoveu ao lembrar dos calos das mãos de seu pai. Sua fala mansa acalentou meu coração, e sem que eu perceber minha tristeza foi se dissipando.
            Mas por que será que me lembrei de “Seu Pedro”?

Marcelo Faleiros.


quinta-feira, 1 de novembro de 2012

NÃO É DE HOJE



"Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata."
Carlos Drummond de Andrade




NÃO É DE HOJE


Não é de hoje que a vida vem me presenteando.
Vi o sol nascer bem antes de tentar entender a vida.
Senti o frescor do riacho do pé de serra antes de saber nadar.
Senti o cheiro da chuva, baixando poeira, antes de entender o ciclo das águas.
Corri, com pés descalços, por entre canaviais absorvendo a natureza.
Cantei o canto dos pássaros saboreando frutas no pé.
Tomei café ao pé do fogão de lenha.
Vi minha vó fazer pão de queijo e me oferecer com amor.
Dormi em meio aos bezerros esperando o calor do sol.
Bebi o leite espumante na alvorada da manhã de inverno.
Vi a lua nascer no mar deixando um eterno reflexo nas lembranças.
A mesma lua, na noite de insônia, já me iluminou muitos sonhos.
Vi a jangada ir pro mar fazendo um risco lindo.
Já contei estórias para meu filho poder dormir em paz.
Já dormi em paz com meu filho nos braços.
Já tive provas de amor que justificam uma vida.
Já me embriaguei provando o gosto do amor.
Já nadei quilômetros por um mar cor de esmeralda.
Já chorei muito fazendo poemas.
Já chorei muito inconformado com tantas injustiças.
Já quis matar, já quis morrer, mas depois acalmei.
Já subi uma bela montanha e me encontrei no cume.
Já fiz sentido pra vida de alguém.
Já percebi, há tempos, que felicidade não se compra.
Já me queimei na fogueira da paixão,
E a paixão continua queimando dentro de mim.
Não é de hoje que a vida bem me presenteando!

Marcelo Faleiros

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

LIVRE PRISIONEIRO


Os poemas de amor são óbvios, as rimas previsíveis, sempre clichês,.... mas necessários. Eles regam as relações, alimentam o coração, aliviam as durezas, nos livra das grades da solidão.



LIVRE PRISIONEIRO

Veio sem pretensão, sem intenção.
Nos olhares, nos perfumes, nos pulsares.
Veio no encontro de fim de tarde,
No banco de praça, no visgo do olhar.
Na mão dada ao se caminhar.
Na fala ingênua que tenta impressionar,
Na poesia de algum por de sol,
Ou no brilho prata da aliada lua.
Veio sem pretensão e me fisgou.
E quando vi já era amor.
Tão em mim que me fiz refém,
Tão em mim, que me fiz seu.
Tão forte que só me restou ir.
E fui embalado por alguma canção.
Feliz por não ter escolha,
Não ter a dúvida,
A cruel e traiçoeira dúvida.
E fui, acorrentado ao arrepio da paixão.
Livrei-me das escolhas e fui.
E no amor tornei-me feliz refém.
Tornei-me o mais livre dos prisioneiros.

Marcelo Faleiros

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

QUANDO O AMOR ACABA




"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura." Friedrich Nietzsche  



QUANDO O AMOR ACABA


O que dizer quando o amor acaba?
Quando a chama que queimava, fervendo o sangue,
vai perdendo força, o oxigênio se escassa,
nos olhos já não se esconde a falta do brilho de antes.

O que fazer quando a distância não incomoda,
e o reencontro já não é tão esperado, tão aguardado?
Se a saliva do beijo já não tem o doce do amor
e o toque, que antes arrepiava, agora mal é dado.

Pra onde olhar se nos olhos não se vê o que se quer?
Quando a linha do horizonte nos prende no final da tarde,
o sol se põe dentro do coração, a lua não nasce,
e na escuridão sente-se que o sentimento já não arde.

Pra onde correr, se esconder se chegou o fim?
Fim do que me mantinha vivo, feliz, erguido.
O caminho está num ponto onde não há saída
e a volta não se permite, pois o tempo só tem um sentido.

Como chorar se as lágrimas já secaram,
matando o verde que florescia mesmo no inverno?
Se o broto não resistiu aos puxões que nos deram
e arrancou-se a raiz do que se tinha de mais belo.

Agora me resta gritar, insano na noite,
e com o grito espantar a tristeza,
tentar curar a ferida de tanto açoite
e, com a cicatriz, buscar na vida alguma beleza.

Marcelo Faleiros

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

INJUSTIÇA





"… que é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos."
Ariano Suassuna
(foto de Sebastião Saldado)




INJUSTIÇA


Há tantos terços rezados pela procissão,
Tantos joelhos ralados e pedidos de perdão,
Tantos rogam milagres e juram perante a imagem,
Tantas lágrimas em meio à seca e devastação,
Tantas marcas de sangue escorrem pela escada.
Só restando gritos de alivio vendo a morte como solução.

Há tantos becos sem saída pelas cidades,
Tantos muros acumulando pobreza, cercando tristezas,
Tantos apressados, em busca do mísero pão.
Tantos apossados excluindo a grande multidão,
Multidão que vive a pedir perdão de joelhos no chão.
Implorando num grito de alívio a morte como solução.

Há tantos tiros dados para se salvar almas,
Que a devida calma se vai, vai o sonho, cedo,
Bem cedo, e a tristeza se apodera, pouco sobra,
Sobra os tantos pedidos para os deuses, em vão,
E no vão, vê-se o olhar assustado em meio a fé,
A implorar em silêncio o alívio da morte como solução.

Há tanto riso indevido em meio à multidão,
Tantos festivos, por desconhecer a podridão,
Tantos alienados, que não questionam nada,
Tantos a empurrar a imensa engrenagem, girando,
Gerando, moendo a esperança e a pouca dignidade.
Restando, o perdão de deus, e a morte como solução.

Marcelo Faleiros

domingo, 2 de setembro de 2012

ARTÉRIA





"A Poesia bombeia os versos pelas artérias da vida,
Para que não morra,
O Amor e a beleza no Mundo..."
Fulvio Ribeiro


ARTÉRIA

A artéria transporta vida.
Vermelho, fogo para a emoção,
Vai preso à hemoglobina, vindo do ar.
Pulsando sem parar, vai o insistente coração.

A artéria irriga membros, hidrata órgãos.
Vaza insistentemente os tantos visgos,
Confisca dos pulmões e doa-nos energia.
Contrai e dilata, em harmônica com a emoção.

Arterial, sangue vital, na simples circulação.
Sem o qual não há vida e no constante pulsar.
Resume-se o viver e o simples findar.
Artéria, pulse, para se poder continuar a amar.

Marcelo Faleiros


MORTE E VIDA





"A morte do homem começa no instante em que ele desiste de aprender."
Albino Teixeira



MORTE E VIDA



Nada é mais próximo da vida que a morte.
Morte e vida são aliadas, e vão de mãos dadas,
Vão lado a lado pela mesma estrada,
Estrada na qual fazemos nosso caminho.

Na vida temos o tempo do crescimento
Cria-se, faz-se projetos, escreve-se a história.
Na morte temos a perpetuação do vivido
Fica-se o fundamental, extinguem-se vaidades.

Na vida buscamos o futuro, inatingível.
Apressa-se, apodera-se, acumula-se, em vão.
Na morte esvazia-se, vai-se a alma, pura.
Fica-se o eterno, o que vivemos com emoção.

Na vida cruzam-se olhares, pulsares.
Têm-se amores, tem-se paixões, arrepios.
Na morte brota-se lágrimas, alivia-se dores.
Fica-se saudades, perpetua-se a verdade.

Marcelo Faleiros


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

SER BRASILEIRO



"Vejo o Brasil do avião.
É tudo verde, é tudo em vão.
Baby, nada é verde mas é tudo verdade."
Cazuza

SER BRASILEIRO


Como gostaria de sorrir por ser brasileiro
Olhar o povo nas ruas sem se rastejar
Olhar a terra que sobra com quem tem fome
Olhar o ouro, com seu brilho, no peito dos sem nome
Olhar a comida na boca de quem precisar
Olhar o por do sol e ver a lua nascer sem medo
Ter no peito a luz da liberdade e da justiça
Sem que a falta de valores me venha como tormento.

Ah!.... como gostaria de ver meu filho brasileiro
Tendo um país melhor, pra correr sem medo
Gostaria de ter certeza que o futuro será justo
Pra que sonhos de quem começa não se vá no começo
Pra que os sorrisos permaneçam até o fim
E quando chegar o fim, que venha a paz.

Ah!... porque choro agora por ser brasileiro
Se em meu país o sol brilha mais
Se a mata me sorri com o verde da vida
Se os rios correm em busca do mar tão azul
Se as sementes que terra adentram sempre brotam
Se as raízes tem a seiva que alimenta as folhas
E as folhas que caem embelezam o outono
E a primavera vem antes do fim do inverno.

Ah!... porque o brilho de tanto sol não me seca tristeza
Porque a chuva no fim da tarde não vem como alivio
Lavar a desilusão de ver meu país que é tão bonito
Não ter o brilho que quero pro meu filho brasileiro.

Marcelo Faleiros

domingo, 22 de julho de 2012

"DEUS": PERMITA-ME


"(Come chocolates, pequena; 
Come chocolates! 
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. 
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. 
Come, pequena suja, come! 
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! 
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, 
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)"
Álvaro de Campos



“DEUS”: PERMITA-ME

Borbulham em mim tantos sentimentos
Que não sei para onde ir.
O turbilhão de imagens e desejos tiram-me forças
E permaneço estático, inerte.
A lua que hoje olho não é a mesma da infância,
O mergulho no riacho tornou-se raso e gelado,
O sorriso fácil, de criança descalça, se foi,
A fruta arrancada no pé já não é tão doce.
Tenho tudo que necessito à minha volta,
E sempre me vejo envolto nesta angústia.
Já não me basta ir solto, isento dos questionamentos,
Já não me basta ir, preciso entender,
Se foram os bons tempos de criança.
Hoje preciso saber algumas respostas.
Mas pra que saber as respostas,
Pra que este perguntar constante.


Não me venha com esta estória de “Deus”,
Na maioria das vezes “Deus” é o consolo das dúvidas,
É a forma mais fácil para se consolar na ignorância.
“Se não entendo é vontade de Deus”.
Não me contento com tamanha mediocridade,
Quero a resposta que me esclarece não a que me engana.
Quero a frase “seca”, dura de aceitar, quero o fim se assim for.
Mas quero ter em mim a possibilidade do olhar verdadeiro,
Não este choro de alivio, que busca o consolo na possibilidade,
Que busca a ilusão, alegrando os que ficam,
Alegrando os que necessitam da imortalidade.

Gostaria de ter a verdade tão presente nas plantas,
Que brotam, buscam energia, sugam água e claridade.
Quero a verdade verde, crescer em busca de luz,
Suplicar algumas chuvas e deixar escoar o que sobrar,
E quando chegar o fim, ir, sem medo nem ilusão.
Quero a verdade das aves, que nascem para voar.
E voam, sem pensar em nada, voam, planam.
Vêem horizontes, se levam pelas correntes,
Fazem o ciclo da reprodução, protegem seus ninhos,
Protegem filhotes, um dia pousam e morrem.

Quero ser apenas o instante vivido,
Não ficar a imaginar o fim.
Pra quê, ficar imaginando o fim?
Ele é inevitável.
“Deus” permita-me desconhece-lo,
Permita-me não ter que ser à sua imagem e semelhança,
Permita-me ter a vida como presente, não como provação,
Permita-me apenas viver.


Marcelo Faleiros


quarta-feira, 18 de julho de 2012

CATARATAS



"Porque tudo se cala diante da beleza de suas águas e se curva sob a maravilha de suas quedas." (Rosana Lomba Piccioni - Matinhos-PR)







CATARATAS



A água que desce espumada acaricia a visão,
Fazendo jorrar emoções já quase extintas.
Brota da fonte mais profunda sentimentos vitais,
Nasce no broto de cada arbusto o elo da vida.
O som da queda d’água faz música, faz acalanto,
E a cada olhar vê-se algum renascimento.

A água que desce espumada não finda, não cansa,
Vem de algum lugar desconhecido, vem de Deus,
Vem a mostrar a pequenez de nosso olhar,
Faz-nos coadjuvantes, faz-nos semelhantes.
A vida torna-se fácil, e em tamanha beleza somos plenos.
Em tamanha beleza a felicidade, do simples, jorra.

A água que desce espumada alimenta, hidrata,
Pinta arco-íris por todos os lados, encharca a alma, acalma.
E nos cabe ser parte, nos cabe ser importantes,
Pois tamanha beleza também precisa dos olhares,
A beleza pertence aos olhares, pertence à emoção.
Pertence a este meu pequeno coração,
Pertence à lágrima que agora brota em meu olhar.

              Marcelo Faleiros

domingo, 8 de julho de 2012

A LÁGRIMA


"Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove."
Cora Coralina

A LÁGRIMA

A lágrima tem sempre um brilho
Tem com a luz alguma paixão
Interage, e no raio que reflete,
Cintila emoção, solidão e até alegria.

A lágrima escoa, ecoa, grita.
Tem laços com a vida, com o pêndulo do tempo,
E a gota que se vai, em queda livre,
Tira-nos da inércia de alguns sofrimentos.

A lágrima é mais que água e sais
Hidratando, cicatrizando as tantas dores.
Vai-se, emerge inundando a íris,
Vai, alenta, nos salva que alguns horrores.

A lágrima é mais que santa.
Risca a face, faz sempre algum enlace,
Emoção, coração, a própria vida.
Dá, tira, alivia e depois evapora.

Marcelo Faleiros

PLENITUDE




"...Que minha solidão me sirva de companhia.
Que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo"
Clarice Lispector



PLENITUDE

Que sonhos sobrevivem sem ilusão?
Que esperanças sobram sem as lágrimas?
E as saudades, salgadas, sem mar e lua,
Sem noites de insônia, sem pesadelos,
Sem os tantos apelos, sem os tantos medos?

Que sonhos restam sem fantasias,
Sem algumas hipocrisias, sem ironias?
Que roteiro permite todas as verdades,
Todas as vontades, sem maldades?
Não há quem viva só na rota certa,
Sem se perder no dilema das tantas setas,
Pela contramão, pelo erro do imoral prazer,
Ou se contaminando no mortal veneno das paixões.

Que vida é tão certa que se morre em paz?
Que morte é tão serena que nada fica pra traz?
Quem sabe tanto ao ponto de nem pensar?
Sem o certo ou errado, só com a vida,
Sem necessitar dos tantos sonhos que já perdi?
Sem sangrar, sem rancores, sem raivas?
A vida sem os tantos riscos, sem fiscos,
Certamente, também, será sem amores.

Os amores são como lindas tormentas,
Com plena beleza, mas com angústias e medos.
Com raios, clarões, relâmpagos.
Com sorrisos, arrepios, lágrimas.
Sem precisão, em turbilhão, a derramar.
Encharcando, afogando, a nos levar.
Drenando, brotando, a frutificar.
Ficando na brisa da bonança a plenitude,
Ficando a réstia de sol na calmaria da vida.
Da real vida, da vida realmente vivida.

Marcelo Faleiros

sexta-feira, 29 de junho de 2012

METÁFORA



'A arte existe, porque a vida não basta!' Ferreira Gullar





METÁFORA



Não sei nada e vivo a buscar tanto,
E só me resta a certeza da morte.
Falo, vivo arremessando palavras ao vácuo,
E não digo nada que me cicatrize os cortes.
Cortes profundos de tombos de quem nada sabe.
E o tempo que passa impiedoso, indiferente,
Pergunta-me a cada instante:
Pra quê correr se não se tem chegada?
E a minha estada, tão breve, a que se deve?
Pra quê este viver se embebedando de preocupações,
Se as soluções virão, ou não, independente de minha vontade.
E lá se vai mais um dia, mais um pôr de sol,
E lá se vai mais uma rotação, e aqui estou no mesmo lugar.
Pra quê tanta pressa se não saio do lugar,
Se os astros, que flutuam, me prendem,
Se minha vida se resume em sempre voltar.
Meu alívio vem da poesia,
Só me resta a poesia,
Que me leva pelo universo das emoções.
Só me resta a rima,
Escrita, cantada, gritada,
Mesmo gemida em forma de despedida,
Resta-me uma leve e breve metáfora,
Para que o viver não seja apenas esperar a morte.

Marcelo Faleiros

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A CIDADE

"Cidade grande, grande solidão." 
  Estrabão




A CIDADE

A cidade vai à busca do caos,
Ali estático, para-se, olha-se, chora-se.
Abafada derrete ao sol,
Sons, gritos aflitos, aglomeram-se.
Tanto cresce, perde-se,
Calados, passos, passados, solidão.

A cidade engole pelas bordas,
Traga-se árvores, aspira-se sonhos.
Explode por dentro,
Arremessa-se lixo, cria-se feridas.
Perde o rumo, sem mão,
Todos os caminhos, só contra mão.

A cidade tem veias, sem oxigênio,
Só o venoso, sem pulmão, só agonia.
Mata-se, na tarde, no rush,
Todos atolados na pressa, na pressão.
Atropela-se, apela-se, pela-se,
Mais um corpo, no vão, menos um.

A cidade suplica a própria morte,
Fim da insuportável eternidade.
A cidade irá sublimar na ambição,
Esvaziar para sempre, ficando o esqueleto.
Ficando o vento a lixar as arestas,
Ficando apenas a mancha na bela Terra.

Marcelo Faleiros

LUTO


"Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca."Oswaldo Montenegro

LUTO


O luto se faz necessário.
O silêncio em meio à lágrima é essencial.
A quietude com a amplitude do fim,
Leva-nos para reflexões fundamentais.
As tantas velas queimam vaidades,
Acendem algumas verdades, acorda-nos.
Flores coroam o sublime momento,
Emolduram, resta-nos viver, continuar.

O luto deve ser bem vindo.
Pois a morte nos liberta da eternidade,
Fazendo com que a vida tenha mais sentido.
É no fim que percebemos o que temos.
É na saudade que resgatamos o já vivido.
E as tantas vaidades escoam,
Indo por ralos, deixando-nos humanos.

O luto não é fácil nem feliz.
O tempo se faz lento, sem alento.
Chora-se, implora-se a volta, em vão.
Percebe-se o que antes tanto se tinha,
E vê-se o que ainda se tem,
E se implora a Deus mais tempo
Para se perdoar pelo o que não se disse.

O luto é o que teremos um dia.
Quando o ar não mais alimentar.
Quando o olhar se permitir outra dimensão,
Quando o que ficou não é mais carne.
Quando o que se tem, ficar com os que ficam.
E se fincar no coração o fim do pulsar.
Quando, enfim, nosso corpo frio,
Ficar estático, amado, sendo velado.

Marcelo Faleiros

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O QUE POSSO LHE DAR?


"O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar." Carlos Drummond de Andrade










O QUE POSSO LHE DAR?

O que posso lhe dar que valha a pena?

As penas de um amor sofrido em silêncio,
A possibilidade de uma saudade sentida,
A lágrima escorrida a se ouvir alguma música.

O meu olhar marejado de muito amor,
A fala ao pé do ouvido em um por de sol,
O silêncio tão necessário a se olhar o mar.

A mão dada como criança insegura,
Uma rosa catada em um canteiro da vida,
Um sorriso tímido ao te admirar sob a lua.

O que posso lhe dar que valha a pena?

Um grito de paixão louca em sua janela,
O calor ao lado da fogueira na noite de inverno,
Um apelo de perdão por minha carência.

Uma declaração em rimas com flores vermelhas,
Uma caminhada em chuvas de verão e arco íris,
Um amor eterno que já me domina há tempos.

Os tantos batimentos desordenados de meu coração
Ou todo meu coração tão oxigenado por sua doce voz.
A frágil proteção de quem só tem a própria vida,
Minha vida tão frágil sem a sua presença.

O que posso lhe dar que já não seja seu?

            Marcelo Faleiros


PALHAÇO


"Eu gostaria de saber passar por esse circo dando gargalhadas o tempo todo, mas às vezes, meu palhaço é triste." Alessandra Espínola.









PALHAÇO

O riso do palhaço hidrata jovens corações
E no camarim se vê, pelo reflexo de pedaço de espelho,
Se vê pela maquiagem borrada da lágrima em solidão,
O quanto o sonho do circo já se escoa.

Será que o sonho do palhaço já se perdeu,
Ou será, que apenas ele vê a verdade da vida.
E com o seu sorriso triste a tropeçar pelo ar
Liberta-se das hipocrisias tão sérias que nos cerca.

Vai palhaço a correr com seu terno multicor
Girando pelo picadeiro atrás de um terno olhar.
E por trás da cortina, apenas a simples esperança.
Que desde criança cambaleia em cordas bambas.

Diga, querido palhaço, o quanto dói o tapa de mentira,
Diga o quando a mesma piada ficou triste,
Vai, em cambalhotas, vendo que a graça já se foi,
Vai pelo vão da cortina, vendo o tempo escoar.
E pelo canto de seu lindo olhar
Ainda resta um último sorriso de criança.

                     Marcelo Faleiros.