"Sou lúcido. Merda! Sou lúcido." Álvaro de Campos
DESABAFO
Estou de saco cheio.
Quero gritar toda a minha raiva, quero xingar.
Aliviar no grito todas as angústias,
Quero obrigar todos a brigar.
Quero ver todas as filas romperem as injustiças,
Destroçando todos os rótulos, sem apóstolos.
Quero ver todas as crenças descrentes,
Quero ver o sermão ser cantado no vácuo, em vão,
Arremessado no vão junto com seu pastor.
Quero amordaçar todos os políticos, decepá-los.
Quero partir todos os partidos, todas as legendas,
Todos virar lendas em livros que ainda vou queimar.
Quero incendiar todos os templos, chega de lamentos,
Quero amordaçar todos os argumentos, sem sentimentos.
Quero que as prostitutas sejam protagonistas
Com seu gozo fingindo e mal pago,
Sem a hipocrisia da maioria dos casamentos.
Quero ver feder a sujeira dos mendigos
Dentro da casa do banqueiro filho da puta,
Juro, que todos os juros quero cobrar.
Esfolar quem explora de forma legal, de forma imoral.
Legalizar algumas vinganças, mudar os mandamentos.
Quero anistiar quem rouba para comer,
Vê-los comer caviar, se esbaldar no melhor dos vinhos,
Usar linhos, ternos italianos, arrancados dos poderosos,
Na noite mais fria, deixando-os nus sob marquises.
Quero que todos os gols sejam contra
E que os juizes percam o juízo,
Rasgando todos os processos.
Quero ver todos os jurados aliviados
Sem a pena em suas mãos.
Quero correr aos berros pelas feiras
Libertando todas as donas de casa.
Quero ver as mulheres que apanham castrando quem bate.
Quero secar a lágrimas das crianças que choram.
Quero ver todos que não amam estéreis, sem tesão,
Dormindo, sós, embrulhados em suas vaidades.
Quero ver todas as verdades em outdoors
E as mentiras em porões inundados de ratos.
Quero beber a cachaça que embriaga tantos inocentes,
Cambalear, na noite, de mãos dadas com anarquistas.
Declamar o mais belo poema concreto, sem rimas,
Sem clima de acalanto, sem o encanto de um sarau.
Vou pichar a porta de igreja na cor vermelha,
Lixar-me para a ética dos que fazem as leis.
Quero transbordar na transgressão dos discriminados,
Ser solidário com os atolados na lama, dos sem cama.
Estou de saco cheio de não ter coragem,
De ser covarde, correto no contexto social.
Sou um inútil que só quer gritar,
Sem amplitude, sem atitude.
Mas se quero, vou gritar, foda-se se vou incomodar.
Vou gritar o acorde dissonante da banda de porão,
Vou gritar com a rouquidão dos anêmicos
Contra a mentira dos acadêmicos,
Vou calar os doutores que ficam a pesquisar,
Rasgar as teses que regam vaidades intelectuais.
Abraçar quem chora por amor, se puder consolar,
Em qualquer idioma, gritar que o amor não é em vão,
Mesmo quando o amor nos esfola,
Mesmo quando o amor nos faz perder a razão.
Torcer com a euforia fanática de todos os fãs
Para que os corruptos escorreguem pelos esgotos,
Descendo na enxurrada, rumo a uma tubulação sem fim.
E vou chegando ao fim.
Afinal minha voz é pouca,
E rouco já gritei, arrancando todas as raivas,
Aliviando as entranhas, acelerando meus batimentos,
Fazendo-se sentir vivo, sem a elegância dos polidos,
Mas aliado ao sentimento de alguns oprimidos.
Por fim, quero apenas gritar:
AAAHHHH.....QUE ALÍVIO!!!
Marcelo Faleiros.