quarta-feira, 31 de agosto de 2011

TEMPO

"O presente é a sombra que se move separando o ontem do amanhã. Nela repousa a esperança." Frank Lloyd Wright

TEMPO


Tempo.
As vezes apressado nos dando oportunidades,
as vezes lento nos prendendo ao sofrimento.
As vezes leve e solto em novidades,
as vezes pesado e sem nenhum movimento.

Como contar o tempo,
se o relógio de nossos corações bate em várias freqüências,
se o dia de sol é mais breve que o de chuva lenta,
se na primavera temos flores com suas essências
e no inverno só o broto abaixo da neve densa.

Tempo.
As vezes aliado, melhor remédio pra fechar feridas,
grande amigo, conselheiro a decantar nossas tristezas.
As vezes carrasco, a nos bater, deixando em carne viva,
nos tirando a juventude e muito de nossas belezas.

Tempo.
Professor, salvador, criador a aliviar a dor.
Breve, leve, alegre, belo e bom como se deve.

Tempo.
Ditador, destruidor, estuprador, nos levando à dor.
Lento, denso, intenso a nos trazer desalento.

Tempo, apenas tempo!



  Marcelo Faleiros.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

AINDA SOU ROMÂNTICO

"Não ser amado é falta de sorte, mas não amar é a própria infelicidade." Albert Camus

AINDA SOU ROMÂNTICO

Ainda sou romântico
E ao som daquela música, choro
E ao por do sol, laranja, imploro
E sob a luz da vela, me revelo.
Derramo, no brinde, o vinho do amor.

Ainda sou romântico
E morro de saudade de seu cheiro
Me inspiro, se respiro o ar que te inunda
E mudo, meu mundo transborda sua emoção
Vou, talvez são ou louco de amor.

Ainda sou romântico
E me imanto, com seu magnetismo
Me envolvo em seu manto, e sem opção
Vou, sem a ação da razão, vou, como bússola,
A apontar para o Norte de meu amor

Ainda sou romântico
Neste mundo, frio, de pedra
Resisto, insisto, me arrepio se me toca
E o coração, bate, com a delicadeza
Da pétala eternizada na textura de sua pele.

Ainda sou romântico
E vou morrer de amor
Mesmo que amanhã ainda acorde
Só pra lembrar de seus olhos
Só pra poder secar a minha próxima lágrima.



                     Marcelo Faleiros

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

CHORO


"Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar" Carlos Drummond de Andrade.

(foto de Sebastião Salgado)

CHORO


Choro, pois a faca me entra
Numa dor física que arde
Como o canto da chibata que senzala adentra
Tirando além de sangue a beleza da tarde.

Choro, porque a beleza é intensa
E no riso não cabe a emoção
E as lágrimas me lavam a alma densa
Aliviando a dor da saudade no coração.

Choro, porque sentir é saber
E no fio que corre sem querer
Escorre muito mais que lágrimas
Rola a verdadeira razão de viver

Choro, por que amo
E o amor não se contenta com a alegria
O amor sempre nos causa algum dano
Mas sem ele não existe harmonia

Choro, porque o que é belo se vai
Choro, porque o corpo as vezes cai
Choro, pois a vida é feita de vários ais
Choro, porque sem choro do útero não se sai.

                         Marcelo Faleiros

domingo, 28 de agosto de 2011

AMOR


"As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas.  Mas, afinal,  só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas. " Alvaro de Campos.

AMOR

De onde vem esta batida de coração
Este pulsar que enche os olhos d’água,
De onde vem esta sensação, esta emoção,
Este navegar em águas que me levam feito tábua.

De onde vem este amor que enche minha vida
Este sentimento que esclarece meu viver
E o que me resta a não ser ter parte dividida
Entre o que é meu e o que você escolher.

De onde vem tanta dor ou prazer
Tanto amor ao amanhecer, sem ao menos querer
E lá vai o coração a bater e se derreter,
Pois o calor de tanto me encanta sem eu nada poder fazer.

De onde vem este amor que faz querer o mar
Este louco dançar entre o que não me pertence e o que é só meu.
Este caminhar por entre o que não me deixa em paz e o que faz tanta falta
De onde vem tudo o que sinto agora, tão em mim mas não me pertence.

E lá vai o perdido coração, sorrindo de dor
E lá vai com ele o que você pedir pra vida me dar
E lá vai o que você escolher, pois o que quero é você.
E lá vai meu coração a brincar de amar.

                                 Marcelo Faleiros

sábado, 27 de agosto de 2011

UNIVERSOS

A dimensão de uma vida vai além da dimensão do universo.
"Dentro de nós há algo de não tem nome e é isso que realmente somos." Saramago.



UNIVERSOS

            Bilhões de anos-luz. A dimensão do universo é simplesmente inimaginável. A humilde Terra, um “grão de areia” na imensidão de uma “praia” de ser perder de vista. Tudo a girar no desconhecido vazio, que pulsa com uma energia absurda que se desconhece a origem. Bilhões de estrelas a queimar, jorrando luzes que viajam com uma velocidade inalcançável, desenhando em meu cérebro algumas constelações.
            E aqui estou, no quintal de minha casa, numa noite de lua nova, olhando para o céu, negro, salpicado de estrelas. A baixa luminosidade do bairro em que moro me permite observar melhor as tantas estrelas. Algumas de mais brilho chamam mais a atenção, sensibilizando minha retina, com a delicadeza de um carinho; outras, as vezes se apagam de tão humilde, e se reacendem quando fixo, nelas, meu olhar. Agradeço a compreensão destas estrelas, que se fazem humildes, e compreendem a minha pequenez, compartilhando, em meu pequeno universo, seu imenso brilho.
            O que somos nesse imenso universo? Por que preciso existir sendo tão pequeno, tão incapaz de alterar, mesmo a rota de um pequeno meteorito? Por que me é permitido ter a noção de minha dimensão diante desta imensidão?
            Sento-me e fico desenhando constelações em minha imaginação, vendo se o “Cruzeiro do Sul” aponta para o Sul, as “Três Marias”, ... até que percebo uma minúscula formiga subindo pelo meu braço. Necessito fixar bem a visão para enxergá-la, tão “pequena”. Num instante torno-me imenso, quase um mundo a se percorrer na errada rota escolhida por aquela formiga. Como que numa viagem, fecho os olhos e adentro para a imensidão de meu corpo, penetrando, aproximando, até chegar na pequena molécula, no núcleo de um átomo.
            Sorrio ao perceber a relatividade dos meus universos.
            De repente, escuto a voz de meu filho a gritar: "Papai! Cadê você?!"
            Aquele som abriu meus olhos, e ao vê-lo abrir a porta, que dava para o quintal, e vir correndo de braços abertos, me oferecendo um sorriso e gritando "Papai!", entendi a dimensão do maior dos universos, o universo do amor.
          Sinto-me imenso, e naquele abraço escorreu uma lágrima, feita de bilhões de moléculas, mostrando-me a dimensão de minha existência!

                                                                                        Marcelo Faleiros


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

TER SIDO


As vezes somos apenas a sombra do que podia ter sido.







TER SIDO

Sou o que sinto, imerso num código genético,
Navegando um universo imenso e sem dimensão.
Preso a rotações, translações, preso a sensações,
Pedindo que o tempo traga no futuro o presente inexistente.

Sou a fuga de tantos medos por traz dos sorrisos,
Correndo pelas estradas, seguindo placas, faixas.
Fechado num carro, isolando-me das poeiras, dos calores.
Indo, inerte, sempre com pressa, sem paixões e amores.

Sou a sobra do que sonhei nos tempos de infância.
E o fim da história, que vem com as rugas da vida real,
Imprime na face, na lembrança, no coração,
Que sou, na verdade, a ausência da coragem de ter sido.

                     Marcelo Faleiros


domingo, 21 de agosto de 2011

RODANDO O MUNDO VI O AMOR


As vezes fazemos o poema de amor simplesmente para dizermos o quanto amamos alguém. Não importa se o poema é "clichê", pois ser romântico é ser meio clichê mesmo.




RODANDO O MUNDO VI O AMOR

                                       para Andréia                         

Já rodei o mundo, gastei tantas solas,
E pelas escolas que a vida dá, me rebelei.
Olhei para fora das grades, serrei cadeados,
Apedrejei os vidros com seus reflexos.
Vi, perplexo, perdido pelas tantas placas,
Pelas tantas setas, que o mundo me prende.
Rodando o mundo criei forças,
Pra voltar e dizer o que aprendi.

Foi do alto da mais bela montanha
Que vi a saudade que sinto de seu olhar.
Foi no mergulho gelado na límpida água
Que seu calor me trouxe à tona e respirei.
Foi no passo cansado pela estrada sem fim,
Que a fadiga pediu a presença de seu cheiro.
Foi no silencio das noites de insônia,
Que alguma estrela me lembrou sua face.
Foi perdido em alguma encruzilhada
Que achei sua foto mais linda ainda.
Foram nas tantas perguntas sem respostas
Que entendi como sua presença me acalma.
Foi no momento mais belo, no mar de fim de tarde,
Que percebi que preferia estar com você.
Foi olhando a multidão, no centro de alguma cidade,
Que vi que milhares de pessoas não substituem você.
Foi vendo meu sangue escorrer, tentado purificar,
Que soube que, de alguma forma, seu amor iria me salvar.
Foi morrendo aos poucos, olhando pra morte,
Que entendi que amar é mais, muito mais, que viver.

   Marcelo Faleiros.

sábado, 20 de agosto de 2011

A BOMBA QUE ME PERSEGUE

Devemos nos cuidar para que nossas angustias não tomem dimensões explosivas.





A BOMBA QUE ME PERSEGUE


A bomba que me persegue não virá do céu
Não irá cair em forma de avião
Incendiando, matando, derrubando vidas.
Não explodirá em atos terroristas
Na esquina, ou em lojas de ilusão.

A bomba que me persegue não virá do mar
Em submarinos nucleares, ou porta aviões
Descarregando homens fardados, alucinados,
Tão perdidos quanto os chefes de estado, com suas razões.
Não virá nem de terroristas nem de aliados.

A bomba que me persegue não virá em guerras biológicas
Nem com o derrame de produtos químicos
Não virá em cartas lacradas para se espalhar a morte
Ou pelo ar refrigerado de prédios públicos.
Ainda respiro o ar puro dos que não são do Norte.

A bomba que me persegue está dentro de mim
Está na desconfiança e no peso de tanta cobrança,
Está no grito contido que ainda não fui capaz de dar,
Está na falta de sonhos e de vontade de brincar,
Está na lágrima que secou sem eu nada mudar.

A bomba que me persegue sempre esteve dentro de mim.
Não está em nenhum outro lugar.
E o pavio, tão curto, teima em queimar.

A bomba que me persegue pode explodir
A qualquer instante,
Em qualquer lugar.


Marcelo Faleiros

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

OLHOS AZUIS


Muitas vezes o preconceito está tão impregnado que não o percebemos. Julgar as pessoas, segundo a nossa interpretação da vida, pode ser uma grande injustiça. Na maioria das vezes a nossa "verdade" não é a verdade absoluta.



OLHOS AZUIS

Quando aquele homem maltrapilho se aproximou
Tentei fingir que não o via.
Quase mudei o sentido de meu caminho,
Mas o constrangimento me pegou, e o enxerguei.
Vi que tinha olhos azuis, imperceptíveis,
Interpretando uma tristeza já transposta.
A vida cambaleante entre pontes e marquises
Ensinara-lhe a conviver com a tristeza,
E se acostumou, e pra sobreviver, virou ator da vida real.
Vinha em minha direção, era inevitável o encontro.
Pensei se tinha moedas na carteira, pensei o quanto dar:
Cinqüenta centavos, um real, cinco reais,...
O valor do dinheiro é diretamente proporcional à pobreza
E inversamente proporcional a valores éticos.
Sinto-me hipócrita, preso à movediça burguesia decadente.
Sou burguês decadente, fingindo-me preocupado com o social.
Percebi, então, que também interpretava,
Mas não com o talento daqueles melancólicos olhos azuis.
Interpretava, com a fala decorada, sem voz embargada.
Um clichê, um figurante, irritantemente correto,
Indo fazer a “boa ação”, e continuar desconhecido.
Já ele era denso, no olhar, na vestimenta, na solidão.
Intenso, forte, resistente ao sol, surrealista.
Com tons cinza, com jeito de filme antigo.
Sua história era bem melhor que a minha.
A minha ninguém filmaria, parece comercial de banco.
A dele não,
Quantos amores não correspondidos, quantos tombos,
Quantas luas cheias iluminaram seus impossíveis sonhos,
A infância a correr em morros, empinando pipas,
Sonhando com um pai, pendurado à saia da mãe.

Ou talvez não.
Com aqueles olhos azuis, pode ter vindo de família rica,
E se libertou, entrou no looping da loucura
Dos revolucionários idealistas, em extinção.
Saiu pelo mundo depois de um amor não correspondido.
E sem amor só lhe restava a vida cinza.
E tentava ser cinza, mas o amor continuava nos olhos azuis.
Infinito amor naqueles imperceptíveis olhos azuis.
Quantas histórias!

Já eu, pensando bem, nem comercial de banco.
Estou novo e infeliz pra representar a velhice feliz,
E velho e careta, pra ser o universitário empreendedor.
Nem comercial de banco.
E o pior é que me acho interessante.
Um pobre idiota burguês decadente.

Enfim me encontrei com aquele homem,
Antes que ele dissesse qualquer coisa,
Dei-lhe um real.
Aceitou, grato, sorriu.
E continuou sua caminhada cinza,
Mas com amor naqueles olhos azuis.
Não mais imperceptíveis.
Inesquecíveis olhos azuis!

              Marcelo Faleiros


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

DESABAFO




"Sou lúcido. Merda! Sou lúcido."   Álvaro de Campos





DESABAFO


Estou de saco cheio.
Quero gritar toda a minha raiva, quero xingar.
Aliviar no grito todas as angústias,
Quero obrigar todos a brigar.
Quero ver todas as filas romperem as injustiças,
Destroçando todos os rótulos, sem apóstolos.
Quero ver todas as crenças descrentes,
Quero ver o sermão ser cantado no vácuo, em vão,
Arremessado no vão junto com seu pastor.
Quero amordaçar todos os políticos, decepá-los.
Quero partir todos os partidos, todas as legendas,
Todos virar lendas em livros que ainda vou queimar.
Quero incendiar todos os templos, chega de lamentos,
Quero amordaçar todos os argumentos, sem sentimentos.

Quero que as prostitutas sejam protagonistas
Com seu gozo fingindo e mal pago,
Sem a hipocrisia da maioria dos casamentos.
Quero ver feder a sujeira dos mendigos
Dentro da casa do banqueiro filho da puta,
Juro, que todos os juros quero cobrar.
Esfolar quem explora de forma legal, de forma imoral.
Legalizar algumas vinganças, mudar os mandamentos.
Quero anistiar quem rouba para comer,
Vê-los comer caviar, se esbaldar no melhor dos vinhos,
Usar linhos, ternos italianos, arrancados dos poderosos,
Na noite mais fria, deixando-os nus sob marquises.

Quero que todos os gols sejam contra
E que os juizes percam o juízo,
Rasgando todos os processos.
Quero ver todos os jurados aliviados
Sem a pena em suas mãos.
Quero correr aos berros pelas feiras
Libertando todas as donas de casa.
Quero ver as mulheres que apanham castrando quem bate.
Quero secar a lágrimas das crianças que choram.
Quero ver todos que não amam estéreis, sem tesão,
Dormindo, sós, embrulhados em suas vaidades.
Quero ver todas as verdades em outdoors
E as mentiras em porões inundados de ratos.
Quero beber a cachaça que embriaga tantos inocentes,
Cambalear, na noite, de mãos dadas com anarquistas.
Declamar o mais belo poema concreto, sem rimas,
Sem clima de acalanto, sem o encanto de um sarau.
Vou pichar a porta de igreja na cor vermelha,
Lixar-me para a ética dos que fazem as leis.
Quero transbordar na transgressão dos discriminados,
Ser solidário com os atolados na lama, dos sem cama.

Estou de saco cheio de não ter coragem,
De ser covarde, correto no contexto social.
Sou um inútil que só quer gritar,
Sem amplitude, sem atitude.
Mas se quero, vou gritar, foda-se se vou incomodar.
Vou gritar o acorde dissonante da banda de porão,
Vou gritar com a rouquidão dos anêmicos
Contra a mentira dos acadêmicos,
Vou calar os doutores que ficam a pesquisar,
Rasgar as teses que regam vaidades intelectuais.

Abraçar quem chora por amor, se puder consolar,
Em qualquer idioma, gritar que o amor não é em vão,
Mesmo quando o amor nos esfola,
Mesmo quando o amor nos faz perder a razão.
Torcer com a euforia fanática de todos os fãs
Para que os corruptos escorreguem pelos esgotos,
Descendo na enxurrada, rumo a uma tubulação sem fim.

E vou chegando ao fim.
Afinal minha voz é pouca,
E rouco já gritei, arrancando todas as raivas,
Aliviando as entranhas, acelerando meus batimentos,
Fazendo-se sentir vivo, sem a elegância dos polidos,
Mas aliado ao sentimento de alguns oprimidos.

Por fim, quero apenas gritar:

AAAHHHH.....QUE ALÍVIO!!!

Marcelo Faleiros.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

VIVER


Viver, muitas vezes, é mais simples do que imaginamos.





VIVER



A vida é feita de cada pequeno momento,
Um após o outro, sem se perceber.
Um olhar pra lua, um arrepio em vão,
Um sabor de fruta, uma brisa leve,
Um passo, um sorriso na multidão,
Abrir a janela, a porta, o coração.

É a soma de breves segundos,
Um seguindo o outro, sem se querer.
Um triste choro, noite em solidão,
O calo que se abre, o suor que escorre,
O passo em fuga, o puro medo,
O apuro, apuração, a pura ação.

É o dominó a tombar com o sopro do tempo,
Deita-se um, esbarra-se, deita-se outro...
Um leve toque, eterno, breve beijo,
Um fio de lágrima, o fio que corta,
Fatia de pão, pão com café,
A fé, a esperança no que ainda não é.

É simples, passo deixando passado,
Sola gasta, gosto de terra, poeira...
Um dia de Natal, um dia de mar,
Um fim de semana, dia de amar,
A semente que fecunda, o cordão que rompe,
O olhar de um filho, um novo sonho.

Também deixa marcas, deixa amarras, saudades.
Imagem, retina inundada, mente gravada.
Um amor desfeito, outro se vem, perfeito.
As rugas, lutas, frustrações, decisões.
Outro dia, nasce o sol, brilha-se a lua,
Corre-se, menos colesterol, mais vida.

Como nada é eterno, também tem fim.
O Universo infinito tem fim, tudo tem fim.
Um prato de comida, sobre mesa, sabores,
Odores, cheiros, apelos, conselhos,
Um botão rosa, pétalas que caem, secas,
Uma tarde lilás, noite de prata.

Enfim somam-se os tantos momentos,
Deixa-se, na morte, a vida que se teve
E nos olhos que se fecham ainda se vê, em quem fica,
A eternidade da vida vivida.

                 Marcelo Faleiros



domingo, 14 de agosto de 2011

MUSA DO POEMA



A inspiração do poeta deixa de lhe pertencer quando despejada no poema. Cabe a cada um que lê o poema interpretar as metáforas e ir (com a poesia que há no coração de cada leitor) para onde o poema levar.







MUSA DO POEMA


A musa do poeta não deve ser revelada.
A imagem que o poeta derrama em palavras,
Nunca deve ser explicada sem as metáforas.
Sem a perfeição, com os defeitos da visão,
Com os apelos físicos que a carne necessita.

A musa desenhada em rimas, em versos,
Não pode se permitir aos defeitos das rotinas,
Não pode ser encontrada em vitrines,
Nem ao se dobrar esquinas, no caos do cotidiano,
Muito menos na noite em festa e sem lua.

A musa pura, ou profana, lavada em lágrimas,
Não pode ser desvendada, desnudada.
Não se pode correr o risco de se acordar,
Pois a visão do poeta permite outras dimensões,
Muito além das estéticas, das linhas retas ou curvas.

A musa do poeta será sempre virgem,
Intocável, permanecendo impregnada no sentimento,
Em sensações, em paixões, em soluços.
Eternizada, sem as rugas, sem a dimensão do tempo.
Sendo, então, musa não mais do poeta,
E sim, do eterno poema.

                             Marcelo Faleiros

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

SEMPRE QUE PUDER



"A suprema felicidade da vida é ter a convicção de que somos amados."
Victor Hugo


SEMPRE QUE PUDER


Sempre que puder
sorria para um amigo,
mesmo que escondido esteja a tristeza,
pois o riso não é só pra quando se deseja,
e sim pra aliviar o peso de algumas certezas.

Sempre que puder
veja um por do sol,
mesmo que escondido esteja a beleza,
pois a visão não está só na luz que sensibiliza a retina
e sim no que dentro da alma se ilumina.


Sempre que puder
mergulhe em um riacho,
mesmo que fria esteja a água em correnteza,
para que se lave, amoleça a dureza,
as raivas, angústias e incertezas.

Sempre que puder
ande por entre os canteiros,
mesmo que ainda não seja primavera,
para que a ternura das plantas, em meio a atmosfera,
perfume seus sonhos diminuindo a dor de tanta espera.

Sempre que puder
namore sob a lua cheia,
mesmo que a fogueira esteja se apagando,
pois a luz prata acalanta e ao amor clareia,
fazendo daquele beijo chama que incendeia.

Sempre que puder
olhe para o mar no final da tarde,
mesmo que mexido e revolto esteja,
para que a imensidão do azul e sua profundeza,
lhe venha acariciar a face com ondas de vento e leveza.

Sempre que puder
suba uma montanha,
mesmo que pelo caminho se encontre pedras,
para que com a dificuldade na busca do cume,
aviste-se a paisagem que à felicidade se une.

Sempre que puder
faça um poema com amor,
mesmo que algumas lágrimas pela face escoem,
pois as palavras que em rima se libertam, fogem,
tiram do coração sentimentos que se ficarem explodem.

                                   Marcelo Faleiros.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

ENTENDIMENTO



"Não que pare de doer, mas cai no seu entendimento que às vezes perdemos algo e não há solução. No fim você coloca um sorriso no rosto e finge que é sincero, até que a vida o faça realmente ser." Caio F. Abreu.

ENTENDIMENTO


O entendimento da vida se apresenta nas tempestades
Nas tardes de vento forte, de trovão, de solidão.
Em noites sem estrelas, em que só se tem saudades,
No amanhecer de insônia, em que cansado, vai lento o coração.

O entendimento da vida só é possível com alguma tristeza,
Pois só com o sorriso não se permite ver por dentro.
É preciso de muito mais tempo para se ter a clareza
Que se tem em meio a tristeza e choro denso.

O entendimento da vida se faz quando pouco se tem,
Na pobreza, temos a certeza do valor do que almeja,
E a esmola, humilhação, faz bater forte no coração,
Sentimentos que muitas vezes não se deseja.

O entendimento da vida vem rodeado de angústia
Vem cercado de lutas, tantas derrotas,
De marcas de ferro em brasa, profundos cortes,
Feridas, grandes cicatrizes, em perdidas rotas.

O entendimento da vida às vezes só se tem com a morte
Pois a existência, sempre tão curta, pequena,
É apenas parte da cena de um filme belo e forte,
Que só acaba quando podemos flutuar, como leve pena.

 Marcelo Faleiros.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

APENAS HUMANO

"E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano" Clarice Lispector




APENAS HUMANO


As vezes me sinto forte
Capaz de mudar a ordem dos fatos
Como se minha presença fosse fundamental
Meu passo é certo, meu tiro sempre fatal
Seguro, decidido, convicto de meus atos
Tenho claro se vou em direção Sul ou Norte.

As vezes me sinto fraco
Preso ao fracasso, atolado num lamaçal
Incapaz de romper a barreira da tristeza
Estático, pesado, cego pra qualquer beleza
Meu coração só pulsa rumo ao final
Me desfaço, despedaço, sou apenas caco.

As vezes sou só sentimento
Me derramo em lágrimas, sou emoção
Minha ação vem da pura sensibilidade
Transcendo o material, o físico é inutilidade
Vou leve, solto, alma em plena pulsação
Não tenho caminho, apenas me misturo ao vento.

As vezes só me prendo à razão
Meu coração pulsa com hora marcada
A lógica me tira qualquer sabor da emoção
Meus problemas devem sempre ter solução
Qualquer dúvida, o quanto antes descartada
Sonhos são fúteis, sem a menor função.

As vezes sou tudo ao mesmo tempo
Uma confusão: medo, liberdade, solução,...
Meu coração pulsa pra todos os lados
Paro, corro, grito, permaneço calado,...
Ganho e perco, o final é meu recomeço.
Sou apenas humano, constante mutação.

                     Marcelo Faleiros.

sábado, 6 de agosto de 2011

EXISTÊNCIA

"O tempo é algo que não volta atrás.
Por isso plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores." Willian Shakespeare.



EXISTÊNCIA


Eu não nasci para ser sofisticado
Para o intelectual, para o acadêmico.
Não sei viver rodeado de livros pesados
Guardando na memória tantos e inúteis dados
Não quero discutir, nem ser polêmico
Só quero o simples sentimento como aliado.

Eu não nasci para ser lembrado
Para ser imortal, quero ser efêmero.
Não quero ser exemplo, líder de nada
No meu vácuo não trago, não quero nada
Meu passo não deixa rastro, é assim que quero
Livre, para ir e vir, sem nunca ter passado.

Eu não nasci para dizer, nem ouvir
Para a compreensão, para a explicação
Se há dúvidas, a mim não deve recorrer
Mal sei meu caminho, pra onde correr.
Meu medos, são só meus, minha a escuridão
E se as vezes grito é porque não tenho como fugir.

Eu não nasci para ser poeta
Para o verso métrico, metafórico, rimado.
Não quero sensibilizar, nem emocionar.
Meu canto só derrama, não é pra guardar
Não quero meu lamento a ser declamado.
Se agora falo, é porque no peito pouco me resta.

                      Marcelo Faleiros