Muitas vezes o preconceito está tão impregnado que não o percebemos. Julgar as pessoas, segundo a nossa interpretação da vida, pode ser uma grande injustiça. Na maioria das vezes a nossa "verdade" não é a verdade absoluta.
OLHOS AZUIS
Quando aquele homem maltrapilho se aproximou
Tentei fingir que não o via.
Quase mudei o sentido de meu caminho,
Mas o constrangimento me pegou, e o enxerguei.
Vi que tinha olhos azuis, imperceptíveis,
Interpretando uma tristeza já transposta.
A vida cambaleante entre pontes e marquises
Ensinara-lhe a conviver com a tristeza,
E se acostumou, e pra sobreviver, virou ator da vida real.
Vinha em minha direção, era inevitável o encontro.
Pensei se tinha moedas na carteira, pensei o quanto dar:
Cinqüenta centavos, um real, cinco reais,...
O valor do dinheiro é diretamente proporcional à pobreza
E inversamente proporcional a valores éticos.
Sinto-me hipócrita, preso à movediça burguesia decadente.
Sou burguês decadente, fingindo-me preocupado com o social.
Percebi, então, que também interpretava,
Mas não com o talento daqueles melancólicos olhos azuis.
Interpretava, com a fala decorada, sem voz embargada.
Um clichê, um figurante, irritantemente correto,
Indo fazer a “boa ação”, e continuar desconhecido.
Já ele era denso, no olhar, na vestimenta, na solidão.
Intenso, forte, resistente ao sol, surrealista.
Com tons cinza, com jeito de filme antigo.
Sua história era bem melhor que a minha.
A minha ninguém filmaria, parece comercial de banco.
A dele não,
Quantos amores não correspondidos, quantos tombos,
Quantas luas cheias iluminaram seus impossíveis sonhos,
A infância a correr em morros, empinando pipas,
Sonhando com um pai, pendurado à saia da mãe.
Ou talvez não.
Com aqueles olhos azuis, pode ter vindo de família rica,
E se libertou, entrou no looping da loucura
Dos revolucionários idealistas, em extinção.
Saiu pelo mundo depois de um amor não correspondido.
E sem amor só lhe restava a vida cinza.
E tentava ser cinza, mas o amor continuava nos olhos azuis.
Infinito amor naqueles imperceptíveis olhos azuis.
Quantas histórias!
Já eu, pensando bem, nem comercial de banco.
Estou novo e infeliz pra representar a velhice feliz,
E velho e careta, pra ser o universitário empreendedor.
Nem comercial de banco.
E o pior é que me acho interessante.
Um pobre idiota burguês decadente.
Enfim me encontrei com aquele homem,
Antes que ele dissesse qualquer coisa,
Dei-lhe um real.
Aceitou, grato, sorriu.
E continuou sua caminhada cinza,
Mas com amor naqueles olhos azuis.
Não mais imperceptíveis.
Inesquecíveis olhos azuis!
Marcelo Faleiros
Muito bonito, Marcelo! Parabéns! Que sua inspiração possa continuar a sempre nos trazer boas reflexões. André manda um abraço.
ResponderExcluirBeijos, Letícia Rondon